A PODEROSA DIETA CETOGÉNICA
Provavelmente já ouviste falar de dieta cetogénica. Mas, sabes realmente o que é? Bem, antes de aprofundar o tema é oportuno esclarecer alguns conceitos, nomeadamente cetose.
A cetose é o resultado da privação de carboidratos. Sim, carboidratos! Existem muitas e muitas pessoas que confundem e acabam por associar a cetose à privação de gorduras na dieta, mas não. As gorduras, de facto, estão associadas à ideia desta dieta, mas a privação está assente nos carboidratos.
O teu corpo precisa de quantidades adequadas de carboidratos para metabolizar de forma apropriada a gordura. Quando não existe carboidrato suficiente no corpo para este processo, o corpo tem de tomar medidas urgentes, digamos assim. O primeiro sinal de cetose é a cetonemia, isto é, o aparecimento de corpos cetónicos no sangue. Um outro sinal possível de ser verificado é a presença das cetonas na urina, condição conhecida como cetonúria.
Basicamente, os corpos cetónicos são os produtos resultantes da metabolização incompleta das gorduras, por parte do fígado. Estas cetonas podem ser utilizadas no lugar do glicogénio para a produção de energia e também como fonte de energia para o cérebro e sistema nervoso, contrariando a ideia muito enraizada na nossa sociedade de que o cérebro só se alimenta exclusivamente de açúcar. Óbvio que este é o combustível preferencial e prioritário, mas não é o único.
"O problema é que estes corpos cetónicos não são tão eficientes como o glicogénio. Num estado prolongado de cetose, tendes a sentir-te fraco, sem força, preguiçoso, o teu equilíbrio/estado mental é afetado e o teu corpo torna-se progressivamente desidratado. Pior ainda, o teu corpo, na ausência de carboidratos, tende a metabolizar aminoácidos (proteína) em larga escala na busca de energia. Isto é certamente contraproducente para alguém que tenta construir e manter uma sólida massa muscular.". Este excerto foi retirado propositadamente do livro de Arnold Schwarzenegger, considerado a Bíblia do Bodybuilding. Será isto cientificamente verdade? Veremos no decorrer deste artigo.
Falando da dieta propriamente dita, esta abordagem centra-se então num consumo muito reduzido em carboidratos, numa quantidade moderada de proteínas e num alto teor de gorduras, tendo sido uma dieta criada nos anos 20 e primordialmente montada para tratar a epilepsia refratária em crianças, conhecida como fármaco resistente, já que foi verificado que a substituição da glicose por corpos cetónicos reduzia significativamente a frequência das convulsões epiléticas. Esta dieta acaba agora por estar novamente em voga, sobretudo pela eficácia que aparenta ter na perda de gordura corporal, algo muito desejado pela maioria das pessoas.
Para que se tenha uma noção, uma dieta cetogénica típica ou clássica estaria assente em 75% de gorduras, 20% de proteínas e 5% de carboidratos. No entanto, isto é no caso de uma dieta cetogénica clássica, usada por muitos profissionais. Há variadas formas de dieta cetogénica. Não existe a melhor de todas no geral, existe a melhor de todas para cada um e para cada objetivo. É bom que se tenha tal em consideração!
Tem também de se ter em conta que quando se fala em gordura, neste caso, fala-se em gordura "boa”, pois existem gorduras “boas” e gorduras “más”, em termos de saúde/qualidade nutricional. Por exemplo, as gorduras trans, gorduras industrializadas e criadas com o intuito de aumentar a durabilidade e o sabor de certos alimentos, são gorduras cujo consumo aumentado é considerado prejudicial. Deste modo, exemplos de fontes gordurosas “boas” incluiriam óleo de coco extra-virgem (considerado um dos alimentos base desta dieta), ómegas 3, 6 e/ou 9, manteiga de leite, ovos, azeite extra-virgem, frutos secos, abacate, entre outros.
Passando agora aos benefícios da dieta cetogénica. De acordo com um estudo levado a cabo por Antonio Paoli e publicado em 2014, cujo objetivo era verificar se a dieta cetogénica era realmente eficaz no controlo da obesidade, esta abordagem dietética assenta em 4 efeitos fulcrais, efeitos esses que são os verdadeiros promotores dos resultados da mesma.
São eles, em primeiro lugar, a redução do apetite, devido ao efeito de saciedade fornecido pelas proteínas, aos efeitos de hormonas reguladoras do apetite e a uma possível ação supressora do apetite por parte dos corpos cetónicos. Em segundo lugar, a redução da lipogénese e um aumento da lipólise, já que existe então um consumo exacerbado de gorduras, em detrimento dos carboidratos. Em terceiro lugar, uma melhor eficiência no metabolismo das gorduras pela redução do quociente respiratório. Este quociente é, basicamente, a quantidade de oxigénio (O2) necessária para oxidar completamente os átomos de carbono (C) e hidrogénio (H2) presentes nas moléculas dos mais variados substratos energéticos, com produção dos compostos dióxido de carbono (CO2) e água (H2O), sendo calculado pela relação entre a quantidade de CO2 produzido e a quantidade de O2 consumido. Ou seja, como existe maior quantidade de gordura a ser metabolizada, maior terá de ser a quantidade de O2 consumida para a metabolizar. Assim, o quociente diminui. E, em último lugar, os custos metabólicos aumentados do processo de gluconeogénese (processo que promove a formação de glucose a partir de componentes não carboidratos) e efeito térmico das proteínas, fatores preponderantes na perda calórica endógena, por assim dizer.
Um outro estudo publicado em 2006 evidencia mais alguns benefícios da dieta cetogénica. De acordo com este, as cetonas parecem ter um efeito neuroprotetor e, para além disso, parecem também ter efeitos positivos no humor de pessoas com excesso de peso, relacionando a cetose à melhoria significativa do quadro semiológico das doenças de Alzheimer e Parkinson.
No entanto, esta não é uma dieta fácil de se iniciar. É normal uma pessoa que inicia a dieta cetogénica, numa primeira fase, se sentir letárgica, isto é, esmorecida, cansada, enfraquecida, com dores de cabeça, porque os níveis de carboidratos e, por isso, de energia estão diminuídos, mas tal acaba por passar após essa primeira fase.
Está também comprovado que esta dieta auxilia no controlo da glicemia e, por isso, se bem efetuada, poderá auxiliar os diabéticos no controlo da doença, nomeadamente da diabetes do tipo 2. Um artigo, lançado em 2015, aponta 12 evidências a favor da teoria de que a dieta cetogénica é, neste momento, uma poderosa arma, por assim dizer, no controlo desta patologia.
Algo interessante de verificar é que a esmagadora maioria das pessoas que não conhecem verdadeiramente o conceito deste tipo de dieta, pensam que, pelo facto de estar associada a um aumento do consumo de gorduras, tal pode ser causador de aumento do colesterol, da tensão arterial, patologias cardiovasculares, mas a verdade é que se tem verificado que uma dieta cetogénica bem feita potencia exatamente o oposto, a redução dos níveis do colesterol dito “mau”, o LDL, e o aumento do “bom”, o HDL, a diminuição dos níveis de tensão arterial, a prevenção e/ou diminuição dos sinais e sintomas da síndrome metabólica, entre outros.
Para além de tudo isto, existem já numerosos estudos que defendem que esta dieta pode ser muito eficaz no tratamento do cancro, embora a grande maioria desses estudos concluam que tal ainda não está totalmente comprovado e elucidado.
Então e em relação ao desporto? É a dieta cetogénica uma boa aliada? Por exemplo, para quem procura ganhar massa muscular, será esta abordagem algo a ter em conta? A resposta é: sim!
Desengane-se quem pensa que para ganhar massa muscular ou para ter uma boa performance é obrigatório o uso de carboidratos. Tal não é verdade. É sabido que para o ganho de massa muscular existem outras obrigatoriedades, nomeadamente o surplus calórico, ou seja, um número de calorias consumidas superior ao número de calorias gastas e um estímulo muscular regular.
De acordo com um estudo efetuado em 1983, o qual colocou à prova 5 ciclistas bem treinados sujeitos à dieta cetogénica durante 4 semanas, a performance também não é afetada. Há outro artigo, publicado em 2014, que analisou os efeitos da dieta cetogénica sobre a massa muscular e massa gorda. Para isso, foram selecionados 26 homens treinados e estes foram divididos em 2 grupos: um referente a uma dieta tradicional (sem restrição de carboidratos – 55% do total das calorias consumidas) e outro referente à dieta cetogénica (5% das calorias consumidas totais provenientes de carboidratos). Os resultados foram claros. Passadas 11 semanas, foi verificado que o aumento da massa muscular e a diminuição da gordura corporal foi maior no grupo referente à dieta cetogénica.
Em suma, a dieta cetogénica é uma dieta a ter em consideração pelos benefícios cientificamente comprovados que apresenta, mas não é de todo uma dieta apropriada para todas as pessoas. Talvez tu que resolveste, e muito bem, ler este artigo, estejas também à espera de um protocolo que te ensine a forma correta de fazer esta dieta, com dicas relativas ao número de calorias, percentagens de cada macronutriente, fases da dieta cetogénica e sua duração, entre outros aspetos, mas a verdade é que tal difere de pessoa para pessoa.
Todos nós temos características fisiológicas diferentes, objetivos e ambições diferentes e, como tal, seria um risco apresentar aqui um protocolo a seguir. Se estás interessado em experimentar esta dieta, aconselho-te a falares com um médico, um nutricionista, alguém especializado, que possa prescrever um plano a seguir tendo em conta aquilo que realmente pretendes.
Fontes:
http://www.nutritionjrnl.com/article/S0899-9007(14)00332-3/fulltext#sec3
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2716748/
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3945587/
https://books.google.pt/books?id=JtCZBe-2XVIC&pg=PA38&lpg=PA38&dq=ketosis+examine.com&source=bl&ots=dOQLd-yOJG&sig=0tYipuVTGWnLRzO4ZFOQyYJj2qg&hl=pt-PT&sa=X&ved=0ahUKEwiUt_-pu4rRAhWG2BoKHSOjCkwQ6AEIbDAJ#v=onepage&q=ketosis%20examine.com&f=false
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC524027/
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2367001/
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4215472/
http://www.bodybuilding.com/content/can-you-build-muscle-on-a-ketogenic-diet.html
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/6865776
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4271639/